BLOG DA PASTORA ZENILDA


Pra. Zenilda Reggiani Cintra
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segunda-feira, 23 de março de 2009

RELAÇÃO DE GÊNERO: UMA REFLEXÃO SOBRE O MINISTÉRIO FEMININO

*Zaqueu Moreira de Oliveira
Edelweiss Falcão de Oliveira
Introdução
Deixamos claro que, ao discutir este tema, referimo-nos ao homem e à mulher, sem qualquer conotação indefinida ou intermediária, que é condenada tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento.
O assunto em epígrafe tem sido motivo de debates nos últimos anos em várias denominações, inclusive entre os batistas, embora estes não tenham uma posição oficial sobre mulheres pastoras.
A primeira vez que fomos despertados para estudar sobre pastorado feminino foi no Congresso Brasileiro de Teologia, promovido pela ASTE, em 1986, em São Bernardo do Campo, que teve a participação de várias pastoras metodistas, que após conferência pediram publicamente a nossa opinião sobre mulheres no pastorado. Confessamos que não tínhamos posição firmada ainda, mas que iríamos estudar o assunto na Palavra de Deus e na história. Cumprimos a promessa e temos participado e conferenciado, desde 1996, em vários congressos e assembléias convocados para discutir sobre o ministério da mulher. Identificamos que a questão de gênero e o ministério feminino seguem os mesmos rumos das contradições sociais, que impõem às mulheres limites e papéis provenientes de idéias preconcebidas, as quais culturalmente as colocam em plano inferior em relação aos homens. Percebemos também que muitos interpretam a Bíblia literalmente, usando expressões próprias da cultura da época como se fossem o cerne da mensagem que a Palavra de Deus transmite.
No presente texto damos ênfase à inegável valorização que a mulher recebe na Bíblia, principalmente no Novo Testamento, inclusive a sua participação no ministério de Jesus e dos apóstolos.
1. A mulher na história e na Bíblia
No mundo ocidental de hoje há uma tradição patriarcal, gerando o machismo que caracteriza grupos maiores e menores. Contudo, sabemos que existiram sociedades no passado que eram matriarcais ou pelo menos matrilineares, quando a superioridade da mulher era vista pelo fato de gerar filhos, pois havia ignorância da participação do homem no processo da procriação. É verdade que alguns escritores afirmam que não houve em termos absolutos a chefia da mulher, e sim uma liderança importante no lar e o desempenho de cargos como religiosas e conselheiras tribais (GOUGH, 1977, p. 50). De qualquer modo, logo mais surgiu a sociedade patriarcal, incluindo “as culturas subjacentes ao mundo da Bíblia e, conseqüentemente, formadoras da cultura ocidental” (SANTOS, 2001, p. 27). Tanto o Antigo como o Novo Testamento refletem algo da cultura de sua época, embora a mulher seja valorizada em dados momentos da história judaica e, de modo especial, por Cristo e pelos apóstolos. Não vamos agora mencionar os exemplos do Novo Testamento, deixando-os para adiante, mas lembramos que entre os israelitas houve profetisas e até o caso de Débora, que atuou como juíza por 40 anos (Jz 4.4; 5.22). Antes de uma análise melhor da mulher na Bíblia, fazemos algumas observações:
(1) Não nos enquadramos entre os feministas de hoje, que confrontam o homem e a mulher, procurando mostrar as vantagens ou mesmo a superioridade que a mulher tem sobre o homem. Mas não podemos negar que houve a liderança feminina em atividades de comando em momentos importantes da história e mesmo nas Escrituras Sagradas.
(2) Consideramos um contra-senso e uma negação da Palavra de Deus a idéia de que compete à mulher somente as tarefas de esposa e mãe. Neste sentido, alguns chegam a discriminar de forma aviltante as esposas que não têm filhos , as viúvas, as separadas, as divorciadas e as mães-solteiras. Por outro lado, não concordamos que a honra da mulher deriva mais do trabalho externo do que da atividade familiar.
(3) Repelimos a afirmação de que o valor da mulher de nossos dias está na renúncia de sua feminilidade e na imitação do caráter masculino (JOÃO PAULO II, 1981). O papel da mulher não está no desafio aos que não a valorizam como tal, mas em sua participação positiva na construção da sociedade sem qualquer perda de sua identidade.Os que negam o direito da mulher atuar como ministra na Igreja usam como argumento os textos do Novo Testamento que falam de sua submissão. Temos de convir que a idéia de mulher submissa é desvirtuada por muitos intérpretes da Bíblia, que chegam a vê-la como escrava ou um ser inferior. Na realidade, o termo grego (hupotásso) traduzido como “submissa” no Novo Testamento (1Co 14.34; Ef 5.22; Cl 3.18; 1Pe 3.1, 5; Tt 2.5), nada tem a ver com escravo (doûlos), mas expressa a natureza dócil da mulher que coopera, serve ou ministra. No Antigo Testamento, a palavra hebraica “ajudadora” (‘êzer), no ato da criação (Gn 2.18), significa alguém que está ao lado e que fortalece o parceiro, sem qualquer implicação de inferioridade. Na realidade, o apóstolo Paulo fala não somente na sujeição da mulher ao homem, mas afirma também a dependência do homem em relação à mulher. Para alguns pode parecer incrível, mas está escrito: “Todavia, no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher; pois assim como a mulher veio do homem, assim também o homem nasce da mulher, mas tudo vem de Deus” (1Co 11.11-12). A diferença existente entre os dois faz com que o casamento resulte na unidade dos contrários (unidade dialética), de forma que um depende do outro. Para alguns a expressão que se refere à mulher “como vaso mais frágil”, reforça a idéia de inferioridade. Mas o termo é um rebate às tendências culturais da época, e chama atenção para a honra que a mulher merece, sabendo-se que sua natureza delicada é superada pela admirável perspicácia que a leva a superar o próprio homem na capacidade do relacionamento. Em recente entrevista na televisão, um psicólogo afirmou que o administrador da atualidade deve aprender com as mulheres, que são detalhistas, sem perder de vista a totalidade. A fraqueza da mulher desaparece com a sua capacidade de suportar dor ou sofrimento, embora mantendo sua forma amena e sutil de ser, que muitas vezes a torna dominadora. Isso obriga o homem a honrá-la, dedicando-lhe amor (Ef 5.25) e tratamento suave (Cl 3.19). Por isso, diferentemente da idéia predominante na sociedade machista, de que o homem pode fazer tudo o que quer com o seu corpo e a mulher nada, a Bíblia ensina que a autoridade que o homem tem sobre o corpo da mulher, a mulher tem sobre o corpo do homem (1Co 7.4).
A mulher virtuosa tão decantada no livro de Provérbios não é a que manda no marido, nem a que se anula para obedecê-lo; não é a que só trabalha fora, nem a que fica todo o tempo em casa; não é a desleixada, que não se cuida, nem a que passa todo o tempo para se produzir; não é a que se ocupa em falatórios maledicentes e inúteis, nem a silenciosa “dondoca”, com ar de superioridade. Semelhantes a essas existem muitas que chegam a se oferecer como solitárias desesperadas. Conforme o texto bíblico em Provérbios 31.10-31, a mulher mais valiosa do que jóias é confiável, coerente, constante, trabalhadora, responsável, altruísta, beneficente, líder, cooperadora, atraente, respeitável e fiel ao Senhor. Mister se faz que cada mulher busque a virtude cristã ao invés de recompensas e posições de mando e superioridade. “Enganosa é a graça, e vã é a formosura; (...) louvem-na nas portas as suas obras” (Pv 31.30-31). Na Bíblia não há lugar para mulheres alcoviteiras ou licenciosas (1Tm 5.13), mas não existe também apoio à prática de espezinhá-las. Elas são companheiras em casa e no ministério, pelo que o apóstolo Pedro recomenda o diálogo: “Vivei com elas com entendimento” (1 Pe 3.7a). O valor da mulher não está no homem, mas nela própria, podendo destruir ou edificar sua casa com suas mãos (Pv 14.1). Enquanto isso, a expressão popular de que “atrás do homem bem sucedido está uma grande mulher”, é confirmada na Bíblia ao afirmar que “a mulher é a glória do homem” (1Co 11.7b). Por outro lado, o apóstolo Paulo enaltece as que se ataviam com serviço (diakonía) a Deus e boas obras (1Tm 2.10).
Finalmente, as mulheres têm os mesmos direitos espirituais do homem, pelo que o texto bíblico recomenda ao homem: “Sendo elas herdeiras convosco da graça da vida” (1 Pe 3.7b).2.
Imposição de mãos para o ministério
Consideramos o termo “ordenar” inadequado, uma vez que um dos princípios da Reforma Protestante, que consideramos característico de todos os evangélicos de hoje, é o sacerdócio de cada crente. Ora, “ordenação” tem a ver com Ordem, que é um dos sacramentos da Igreja Católica Romana, e ordenar é “conferir as ordens ou o sacramento da Ordem” (ORDENAÇÃO, 1960, p. 359). O sentido desta definição é que ministro “ordenado” é sacralizado, fazendo uma clara distinção entre clérigo e leigo e anulando o princípio acima referido, o qual tem forte respaldo bíblico. Alguns preferem o termo “consagrar”, que também não tem apoio escriturístico, pois a “consagração” não é exclusiva de uma classe sacerdotal, tendo o sentido de “tornar sagrado”. Não é um ato em si que vai sacralizar alguém; este dualismo que separa o sacro do profano nunca foi característico dos evangélicos. O escritor Arthur Brown afirma que “o termo ‘Consagração’, (...) nunca aparece no Novo Testamento no sentido de consagrar um homem ao Ministério Cristão” (BROWN, 19576, p. 5). Por este motivo preferimos, sem qualquer conotação sacramental, utilizar a expressão “imposição de mãos”, que é usada no Novo Testamento. É verdade que o termo “imposição de mãos” não é exclusivo na Bíblia para separar pessoas para o ministério, sendo usado também para abençoar, como é o caso de Jacó sobre Efraim e Manassés (Gn 27.30, 33). Também Arão estendeu as mãos acima da cabeça do povo para abençoar (Lv 9.22). Jesus abençoou os discípulos com as mãos levantadas (Lc 24.50), impôs (títhemi) as mãos para abençoar crianças (Mc 10.16) e impôs (epíthesis) as mãos para curar (Mc 6.5). A primeira palavra grega acima referida (títhemi) tem o sentido de “constituir” ou “consagrar”; a segunda (epíthesis), que é a mais comum, significa “pôr” ou “impor” as mãos. No caso único de Hebreus 6.2, imposição de mãos (epitheseôs) é associada com batismo.
Quanto a ministério, no Antigo Testamento há imposição de mãos para passar adiante responsabilidade ou transferir cargo (Ex 29.15; Lv 1.4; 2Rs 5.11). É bom saber que antes do cargo ser transferido, havia a escolha, como no caso de Josué (Dt 31.7-8-8.23), que recebeu imposição de mãos de Moisés antes de receber a sua difícil missão (Dt 34.9). A imposição de mãos tinha, em alguns casos, a participação do povo, que também impunha as mãos (Nm 8.10), legitimando o que tinha sido formalizado na cerimônia anterior. Era o reconhecimento do ministério.
O que muitos chamam hoje “ordenação” é, no Velho Pacto, o ato de “separar” ou “colocar à parte”, sendo usados os termos “ungido”, "yimeshach" e “sagrado”, "yemalle’ (Lv 16.32), para os que recebiam a função sacerdotal ou outro tipo de ministério. Quanto aos profetas, não há referências sobre cerimônias de separação formal ou unção com óleo, a não ser em linguagem poética (Sl 105.15) e na unção de Eliseu por Elias (1Rs 19.16). Os reis escolhidos pelo Senhor, assim como os sacerdotes, também eram ungidos (1Cr 29.22).
No Novo Testamento, não há referência à unção ou imposição de mãos de Jesus sobre os apóstolos. Em Tito 1.5, os anciãos eram “estabelecidos” ou “apontados” (kathístemi). A recomendação aqui é “constituir”, “estabelecer sobre” ou “conduzir”. Os sete de Atos 6 eram homens cheios do Espírito Santo, e foram escolhidos pela Igreja (v. 3), pelo que receberam imposição (epitíthemi) de mãos dos apóstolos (v. 6). O termo neste caso também significa “pôr” ou “impor sobre”. O paralelo da escolha dos sete, no Novo Testamento, com a de Josué, no Antigo, é patente: (1) Foram escolhidos (Nm 27.16 e At 6.3); (2) eram cheios do Espírito Santo (Nm 27.18 e At. 6.3); (3) foram comissionados e autorizados por ministros perante o povo (Nm 27.19 e At 6.6); (4) receberam imposição de mãos (Nm 27.23 e At. 6.6).Paulo e Barnabé foram comissionados para o trabalho missionário, apesar de anteriormente já terem sido escolhidos por Deus e já estarem engajados no ministério cristão, pois “ministravam perante o Senhor” (At 13.2). Contudo, receberam um novo chamado de Deus para outra atividade, com o devido apoio da igreja. Com jejum e oração as mãos lhes foram impostas (epitíthemi), possivelmente com participação de toda a igreja. Foi assim que eles, autorizados a realizar o ministério missionário, abriram a porta para os gentios. Ao regressarem, sentiram-se no dever de prestar minucioso relatório à igreja sobre o trabalho realizado (At 14.27). Timóteo recebeu imposição de mãos (epíthesis) do presbitério para o ministério profético (1Tm 4.14), que por certo era o Ministério da Palavra. Pela imposição das mãos (epíthesis) do apóstolo Paulo, foi-lhe conferido o dom de Deus (2Tm 1.6). Não há clareza se os dois textos se referem ao mesmo momento ou se houve duas ocasiões em que o jovem Timóteo recebeu imposição de mãos. Contudo, o fato da cerimônia poder ser usada em mais de uma ocasião para a mesma pessoa, embora por motivos diferentes, não significa que era um ato leviano. Por isso o Apóstolo Paulo recomenda não impor as mãos precipitadamente (1Tm 5.22). Como neste caso todo o texto (vs. 17-22) trata dos anciãos, é claro que a referência é à separação formal para o ministério, que deveria se revestir de imparcialidade, temor de Deus, pureza e cautela. Também percebe-se que a expressão neutra, “a ninguém” (medeni), elimina a idéia discriminatória de restringir imposição de mãos apenas ao rico, ou ao judeu, ou ao homem.Tudo indica que o apontamento, eleição ou separação para o ministério no Novo Testamento, através de uma cerimônia formal de imposição de mãos, tornou-se uma prática comum na igreja primitiva. “E, havendo-lhes feito eleger anciãos em cada igreja e orado com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (At 14.23). Na cerimônia está implícita a bênção, não provinda dos ministros participantes ou da igreja em si, mas de Deus, para alguém já escolhido por Ele e pela igreja. O ato é um sinal de aprovação, pelo que de alguma forma a igreja deve ser participante. Não significa transferência de autoridade ou poder, ou sacralização. Alan Culpepper escreveu sobre o assunto: “A imposição de mãos pela igreja foi primeiramente uma bênção e uma expressão de oração por alguém apontado como ministro em uma congregação. Não está diretamente ligada à transferência de autoridade apostólica” (CULPEPPER, 1981, p. 481).
Resumimos este tópico dizendo que a imposição de mãos com oração invoca bênçãos divinas sobre o novo ministro, previamente eleito por Deus, que sendo cheio do Espírito Santo e devidamente habilitado (preparado), foi escolhido pela congregação. Imposição de mãos, portanto, era prática no Antigo e no Novo Testamento, sendo no Novo Testamento utilizada para bênção, cura e separação de alguém para o exercício de um ministério específico, podendo este ser pastoral, diaconal, missionário ou outro. Na nova dispensação, a iniciativa era sempre dos apóstolos, que representavam a igreja de Cristo, ou de uma igreja local. A imposição de mãos não era realizada exclusivamente por anciãos ou pastores, podendo da cerimônia participar o povo ou a congregação. Nada impede que se imponha as mãos sobre crianças quando elas são apresentadas à igreja, implorando-se as bênçãos de Deus em favor delas e de seus familiares. Também a Bíblia recomenda que se ore “sobre os doentes” (Tg 5.14). No caso de imposição de mãos para o ministério ou separação de ministros, o concílio usado em algumas denominações de hoje é o “presbitério” mencionado no Novo Testamento. A imposição de mãos é parte de todo um processo, que inclui a chamada de Deus, a escolha da igreja, que deve levar em consideração a participação do presbitério (concílio), a divulgação da aprovação em culto público, com admoestação, oração e imposição de mãos, e a confirmação da igreja que poderá ser por nova votação ou mesmo imposição de mãos em sinal de aprovação. A chamada de Deus (vocação) e o caráter cristão do ministro, que deve manejar bem a palavra da verdade (2Tm 2.15), são itens mais importantes do que a cerimônia em si. Contudo, o ato é também valorizado, pois tem seu aspecto simbólico perante a igreja, assim como o batismo é uma confirmação perante o mundo do novo nascimento e da fé expressa pelo novo cristão.
3. Mulheres pastoras
Onde estão as mulheres neste processo de “ministério”? Nada existe no Novo Testamento que negue a prática da imposição de mãos sobre mulheres na igreja primitiva. Também nenhum texto é tão claro sobre o assunto, a ponto de se poder afirmar que mulheres receberam imposição de mãos para qualquer ministério. Crianças, sim, tiveram as mãos de Jesus impostas sobre elas a fim de abençoá-las (Mt 19.15). Todavia o ensino sobre unidade cristã afirma que “Cristo é tudo em todos” (Cl 3.11), não havendo distinção entre homem e mulher (Gl 3.28). É extraordinária a forma como Jesus valorizou a mulher, embora vivesse em uma sociedade que a tratava como um ser humano inferior. Ele venceu os preconceitos, como no caso da samaritana (Jo 4.9), perdoou a adúltera (Jo 8.11), apareceu após a ressurreição a Maria Madalena (Jo 20.15), da qual expulsara sete demônios (Lc 8.2), e contou com o auxílio de muitas mulheres, que não apenas serviam com seus bens, como acompanhavam o Mestre e os doze em suas viagens “de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia” (Lc 8.1-3).No período apostólico o trabalho das mulheres foi de um valor inestimável, quando a atuação de Dorcas, Lídia e outras trabalhadoras na Causa foi indispensável para a expansão do evangelho.
O grande perseguidor da Igreja primitiva, Saulo, entrava pelas casas arrastando homens e mulheres, entregando-os à prisão. “No entanto os que foram dispersos [homens e mulheres] iam por toda parte, anunciando a palavra” (At 8.4). Não se fala em Áquila sem mencionar Priscila. De cinco textos referentes ao casal, em três o nome dela precede o do marido (At. 18.2; At 18.26; Rm 16.3; 1Co 16.19; 2Tm 4.19), sendo ela ao lado de Áquila, o principal instrumento para expor “com mais precisão o caminho de Deus” a Apolo (At 18.24-26). As quatro filhas de Felipe, o evangelista, profetizavam (At 21.8-9). Evódia e Síntique foram chamadas por Paulo de companheiras, no mesmo pé de igualdade de Clemente e outros homens, porque, dizia ele, “trabalharam comigo no evangelho” (Fl 4.2-3). Para o apóstolo, a mãe de Rufo era considerada sua própria mãe (Rm 16.13). Ninguém pode negar a extensão do trabalho de pessoas como Trifena e Trifosa, que ardorosamente labutavam no Senhor, e Pérside, que se afadigava na Causa de Deus (Rm 16.12). São recomendações aos bispos e diáconos: “As mulheres sejam sérias, não maldizentes, temperantes, e fiéis em tudo” (1Tm 3.11). A conclusão é que a referência neste texto é à mulher diaconisa. Entretanto, Febe era ministra (diákonon) da Igreja em Cencréia (Rm 16.1). Alguns pesquisadores da Bíblia afirmam que seu serviço era pastoral, já que o termo, quando alude a homens, é traduzido como “ministro”, referindo-se a ministério da palavra. Um exemplo é o de Apolo e do próprio Paulo: “ministros - diákonoi- pelos quais crestes” (1Co 3.5) .Por outro lado, a sociedade do primeiro século era avessa à atividade feminina em posições de liderança, chegando a desconfiar das mulheres de destaque como mal intencionadas ou de costumes duvidosos, identificadas como prostitutas. Por isso o apóstolo Paulo, que era solteiro ou viúvo (1Co 7.8), mesmo elogiando o labor das cooperadoras em seu ministério, recomendava que elas na igreja se mantivessem caladas (1Co 14.34), e que se submetessem ao aprendizado sem discussão: “A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão”, sem o direito de ensinar (1Tm 2.11-12). Entendemos que esse era um caso especial na cidade de Corinto, pois diverge do que o apóstolo fala sobre a mulher e seu trabalho em outros textos. Além disso, o mesmo Paulo recomenda tratamento com todo amor e carinho às mulheres. “Amai a vossas mulheres, e não as trateis asperamente” (Cl 3.19). Pedro, por sua vez, recomenda compreensão e honra, pois os cristãos são todos iguais, “sendo elas herdeiras convosco da graça da vida” (1Pd 3.7). Feitas estas alusões, resta ao estudioso das Escrituras Sagradas inferir, embora sem afirmar peremptoriamente, que mulheres receberam imposição de mãos para ministérios específicos no período do Novo Testamento.
Primeiro, porque a imposição de mãos não era exclusiva para homens nem para o ministério pastoral, e segundo, porque elas eram ativas e nada existe que leve alguém a acreditar na rejeição de seu ministério em áreas diversas. O maior argumento contrário ao pastorado feminino está no fato de que Jesus não escolheu mulheres para o grupo dos doze apóstolos. E deveria ser assim mesmo, conforme qualquer argumento lógico de então! Era o trabalho inicial quando Jesus preparava os continuadores de sua obra. Seria muito arriscado deixar nesta posição pessoas rejeitadas pela cultura da época como líderes. Sabedoria divina que não se pode contestar!
Sem dúvida alguma, a maior objeção ao pastorado feminino é o preconceito. Vinte séculos de Cristianismo não foram suficientes para alijar o preconceito da mente humana, a ponto do cristão absorver a expressão bíblica: “Não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28). Esta não foi uma afirmação de Paulo, que alguns consideram “preconceituoso”, mas do Espírito Santo de Deus através dele. É verdade que este texto se refere à salvação que todos, indistintamente, recebem mediante a fé em Jesus Cristo. Será que a graça de Deus que não diferencia homem e mulher para a salvação discrimina para o serviço? Ministério é serviço. É verdade que a maioria dos que não aceitam que a mulher pode exercer o ministério pastoral reconhece que ela também é chamada para o ministério missionário e até o profético. Mas concluem que a separação formal que muitos chamam de “ordenação” é exclusiva para o homem. Assim a mulher pode fazer na Igreja todo o serviço que o homem faz, menos batizar e dar a Ceia. Entendemos esta discriminação como idéia sacerdotalista e sacramentalista, julgando a mulher “imunda” para ser separada por Deus e receber formalmente imposição de mãos para o cumprimento de um ministério total na Igreja. É como se Deus discriminasse a mulher, o que seria contrário à sua própria natureza, e o ato da imposição de mãos conferisse graça especial ou poder à pessoa chamada por Deus. Talvez até entendêssemos que grupos mais formais e que adotam um governo episcopal tivesse esta idéia. Mas no Brasil são exatamente anglicanos e metodistas que repelem este preconceito, deixando a presbiterianos e batistas permanecerem reticentes sobre o pastorado feminino. Tomás Helwys, o primeiro pastor de uma igreja batista, da qual há continuidade até nossos dias, em sua Declaração de Fé de 1611, deu a entender que favorecia mulheres receberem imposição de mãos para o ministério diaconal, quando mencionou “homens diáconos, e mulheres” . Apesar deste posicionamento do pioneiro batista, nas décadas de 1960 e 1970, no Brasil, houve oposição quando se falou em mulheres exercerem o ministério diaconal, exatamente porque muitos repeliam a idéia de que elas recebessem imposição de mãos. Na verdade, entendemos que I Timóteo 3.8-15 fala tanto do homem como da mulher como diáconos e o Novo Testamento usa explicitamente o termo que pode ser traduzido como “ministra” ou “diaconisa” (diákonon) para Febe (Rm 16.1). Hoje não há mais discriminação no Brasil batista para diaconisas, mas persiste em muitos a rejeição de que a mulher se torne pastora. A explicação é que a Bíblia não menciona claramente a sua existência.
Lemos um trabalho na internet, rebatendo artigo escrito em O Jornal Batista em defesa do ministério feminino. O escritor dizia que, se por motivos culturais defendemos a igualdade da mulher para exercer o ministério, deveríamos “pedir desculpas aos homossexuais, lésbicas, e travestis (dentre outros) porque a ciência e a cultura de hoje já nos ensinam que (...) não é pecado” Infeliz comparação! A Bíblia é clara na condenação do homossexualismo (Lv 18.22-23; Rm 1.25-28; 1Tm 1.10). Por outro lado, ela é objetiva quando utiliza o termo “todos”, referindo-se aos dois sexos. Assim há referências a todos quando se menciona os dons de línguas (1Co 14.5) e pregação ou profecia (1Co 14.29-31). Especificamente, ao escrever sobre “ministério dos santos”, Paulo usa o termo “auxiliar” (sunergéo), “trabalhar” (kopiáo) e “presidir” (proistemi), tanto para homens como para mulheres (1Co 16.15-16; 1Ts 5.12-13; Rm 16.1, 2, 3, 6, 12; Fl 4.3). O termo traduzido por “mulheres idosas” em I Timóteo 5.2 é o mesmo usado para “presbítero”, que impõe as mãos (1Tm 4.14), e para presbíteros “que governam bem” e que “labutam na pregação e no ensino”, sendo “dignos de duplicada honra” (1Tm 5.17). Assim, alguns intérpretes acreditam que a tradução correta não deveria ser “mulheres idosas”, mas “pastoras” ou “presbíteras”, uma vez que essa é a tradução que se faz para o termo no gênero masculino. Hoje as igrejas estão repletas de homens e mulheres que aceitam a teoria, mas não a prática da igualdade do ser humano. Entre tais pessoas há mulheres que não consultam médicas, não aceitam serem defendidas por advogadas, nem moram em casas construídas por engenheiras. É a idéia de que a mulher só pode ser professora, assistente social, nutricionista e, sobretudo, dona de casa. Será que em pleno século XXI ainda agimos como se houvesse a sacralização do ministério pastoral? Alguns consideram que a inclusão da mulher neste serviço da igreja é profanação. Há muito tempo, mulheres de igrejas batistas e de outras denominações vêm exercendo o pastorado no campo missionário e em igrejas menores, sem que sejam oficialmente aceitas como tais. Além disso, hoje há mulheres diaconisas, missionárias, promotoras e dirigentes de trabalhos pioneiros, moderadoras ou presidentas de igrejas, dirigentes de culto, pregadoras, presidentas de convenções estaduais, presidentas de juntas e conselhos, vice-presidentas e oradoras oficiais de assembléias de convenções nacionais, professoras e reitoras de seminários teológicos; contudo, ainda se recusa permitir imposição de mãos sobre mulheres para o ministério pastoral. Por quê? Falta de um estudo mais acurado das Escrituras? Preconceito? Medo? Concluindo este tópico, resumimos: A igreja não é exclusiva de pessoas do sexo masculino. O mesmo Deus que salva a todo o que crê também vocaciona a quem escolhe para o exercício do ministério, inclusive pastoral. Compete a cada Igreja escolher os seus pastores ou pastoras e providenciar o presbitério para impor as mãos, sem precipitação, sabendo que o que tem o “dom” de Deus para este serviço, deve ser “um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm 4.12). Assim é que a todo o que recebe imposição de mãos do presbitério, o apóstolo Paulo recomenda: “Ocupa-te destas coisas, dedica-te inteiramente a elas. (...) Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino” (1Tm 4.15-16a).
Reflexões finais
Para a reflexão dos leitores, colocamos a seguir algumas conclusões, que poderão ser estudadas com carinho, levadas aos grupos de discussão nas igrejas ou nos órgãos denominacionais e, após oração, finalmente serem aceitas ou rejeitadas:
1. No Antigo e no Novo Testamento, imposição de mãos era utilizada para bênção, assim como especificamente no Novo Testamento para crianças e enfermos. Contudo, seu sentido mais comum é formalmente comissionar alguém para o exercício de uma função ou ministério.
2. A imposição de mãos não era ministrada apenas pelos sacerdotes ou profetas no Antigo Testamento, ou pelos pastores ou anciãos e diáconos, no Novo. O povo de Deus ou as igrejas também podiam impor as mãos em sinal de confirmação ou aprovação. Qualquer palavra que implique na impetração de bênçãos do Senhor, com ou sem mãos estendidas, não é exclusiva do pastor.
3. Pessoas, sem distinção de sexo, escolhidas por Deus e eleitas pela igreja, podem formalmente receber imposição de mãos da igreja para ministérios específicos, incluindo o pastoral e os de missões, educação religiosa, ação social e louvor.
4. A imposição de mãos não transfere poder ou autoridade, embora nela esteja implícita a bênção que procede de Deus. A cerimônia é uma confirmação formal do reconhecimento da chamada de Deus, escolha pela igreja e aprovação dos que comissionam.
5. Para o ministério pastoral, a Palavra de Deus faz menção da imposição de mãos do presbitério (1Tm 4.14). Este ministério não é exclusivo de judeu ou gentio, rico ou pobre, branco ou preto, homem ou mulher.
6. Setores do Governo, assembléias de Convenção, seminários, juntas, conselhos, ordens de pastores, outros órgãos, seculares ou religiosos, são incompetentes para convocar concílios visando à imposição de mãos para o ministério; só a igreja (representada pela congregação, presbitério, bispado ou algo mais) tem esta competência.
7. Os seminários formam obreiros para servirem às igrejas e às instituições como teólogos, pesquisadores, educadores, missionários, músicos, pastores, além de outras especialidades; mas esta habilitação não significa autorização para qualquer ministério. É muito importante o estudo, mas seminários são apenas o veículo para o preparo de obreiros, e não fábricas de pastores ou ministros.
8. A qualificação intelectual e moral não deve ser preterida, contanto que a integridade cristã esteja acima de qualquer outro atributo no julgamento da igreja para reconhecer homens ou mulheres chamados por Deus e encaminhá-los para o exercício do ministério.
9. A igreja deve estar consciente de que, sem evidência de uma vocação para o ministério, imposição de mãos pode ser um ato precipitado e irresponsável. Antes da aprovação da igreja e do concílio ou presbitério, o candidato deve ser aprovado por Deus, “como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15).
10. O ensino bíblico afirma que a graça de Deus se manifestou indiscriminadamente aos seres humanos (Tt 2.11), pelo que deve ser anunciada sem que se faça acepção de pessoas, sendo a Palavra proclamada “com firmeza” (Tt 3.8).
11. Mister se faz que todos, sem qualquer distinção, levantem as mãos aos céus e proclamem o evangelho do reino, sem discriminação ou preconceitos, mas revestidos do Espírito Santo e unidos em Cristo Jesus. “Depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Pois todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus” (Gl 3.25-26). Assim também todos, homens e mulheres, são comissionados por Deus para o exercício de algum ministério, inclusive o pastoral.
12. Não nos compete distinguir alguns para receberem e outros para não receberem o ministério da Igreja, “porque os dons e a vocação de Deus são irretratáveis” (Rm 11.29). É Deus quem chama pessoas e Ele não muda de idéia a respeito de quem escolhe e abençoa. Se todos somos salvos pela graça de Deus mediante a fé, por que haveria discriminação para o exercício do ministério? É a Palavra de Deus que diz: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28)

* Pr. Dr. Zaqueu completou 50 anos de imposição de mãos para o ministério da Palavra. Foi reitor do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil.

2 comentários:

  1. Pra. Zenilda
    Não conhecia seu blog e me alegrei em conhecê-lo. Sou a Pastora Mabel Garcia, aqui da periferia leste de São Paulo. A consagração ao Ministério se deu em 28 de junho de 2003. FAzem então quase 6 anos. O Senhor tem me abençoado muito, sou uma privilegiada. Tive apoio do meu pastor titular, de meu marido (não sou esposa de pastor, meu marido é diácono), da igreja local, amigos, pastores solidários.... enfim... o Senhor preparou tudo.
    Gostaria muito de compartilhar com você sobre pastorado feminino pois isso me fortalece e me edifica.
    Em Jesus, nosso supremo Pastor

    Pra. Mabel

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  2. Pra. Zenilda.
    Fiquei feliz de ter encontrado o seu Blog, e muito mais feliz por trazer este assunto tão polêmico, [Polêmico porque eles querem], que é "Mulher Pastora".
    Louvo a Deus pela sua disposição, sua coragem e seu Ministério para Deus e para o Seu Reino.
    O Reino de Deus não é dos "MACHOS"; mas de Homens e Mulheres que estão à disposição do Senhor.
    No mínimo, no mínimo que podemos dizer sobre este pensamento preconceituoso e machista, e que não agrada a Deus; que precisamos mais ler e entender a Palavra de Deus, e não interpretá-la a bel prazer.
    Na Bíblia tem 83 referências sobre "pastores".
    Todas se referem a pastores de ovelhas literalmente; [o animal ovelha] e às vezes que refere a pessoas é em figura ao povo de Israel.
    Quem era o pastor destas "ovelhas"?
    Os Reis, os profetas e os sacerdotes de Israel.
    Não existe na Bíblia nenhuma vez, ninguém chamado de Pastor, a não ser o Próprio Jesus.
    O nome pastor aparece sempre no plural. E é um termo genérico, assim como a palavra "Homem" (heb. Adam) é obviamente, uma referência genérica a ambos, homem e mulher (Gn 1. 26).
    Portanto, eu não considero este assunto polêmico, mas sim, chamo de ignorância a Palavra de Deus. Má interpretação do texto bíblico.
    No princípio do Cristianismo não era assim.
    Homens e mulheres estavam a disposição da Ordem do Senhor. Tinha os Apóstolos sim e as apóstolas; pessoas que estavam com um só ideal: Obedecer ao IDE do Senhor.
    Mas com o passar do tempo, o Cristianismo se tornou uma Potência Mundial e claro, dando muitos lucros financeiros.
    Até hoje aparece mais e mais "igrejinhas" para quer? Elas dão lucros. E a maioria destes homens que são contrários a Mulheres em liderança, é porque sabe que uma mulher não pensa no Reino de Deus, para fins lucrativos. Só se tiver cabeça de homem ou um homem atrás.
    Parabéns Amada... Amei as reportagens...
    Seu Blog é 1.000.000.000.000.000....
    Fica aqui o meu humilde relato.
    Sua a Pastora Maria Valda.

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