*Pr. Dr. Fernando de Oliveira Cintra
À propósito da divulgação de uma declaração doutrinária por uma igreja da CBB a respeito do papel da mulher, faço aqui algumas considerações. É impressionante até onde vai o reducionismo teológico de
alguns pastores, líderes e membros da igreja local. O documento abaixo, embora
reflexão legítima, é uma das maiores provas disso e
também de uma exegese e hermenêutica desprovidas de excelência acadêmica.
O meu comentário não tem erro ético uma vez que a tal
declaração foi divulgada pela PIB de Atibaia, logo objeto de reflexão,
críticas e apreciações.
Mesmo não concordando com quase todas as conclusões
finais, é elogiável uma igreja buscar um posicionamento quanto a assuntos que
ela acha pertinentes ao Reino.
Vamos
analisar ponto a ponto:
1) Cremos
que a mulher foi criada por Deus como imagem e semelhança dEle (Gn 1.27); que
ela é igual ao homem no SER (como imagem de Deus) mas diferente no FAZER (como
auxiliadora adequada ao homem), um reflexo da unidade em diversidade evidente
na Trindade (Gn 1,27, 2.18,20; 1 Co 11.3). Cremos que o homem foi criado como
cabeça (líder) da mulher (1 Co 11.3b; Ef 5.23ª, 24b).
Considerações:
“Uma auxiliar que lhe corresponda” (GN 2,18.20) ’ēzer רֶזֵע tem o sentido de auxílio; de alguém que está do lado;
que está junto de. Tem o sentido de apoio. Esse apoio pode ser para um grupo,
para um povo (Is 30,5) ou para indivíduos (Os 13,9; Sl 121,1). Existem
passagens bíblicas onde Deus é esse auxílio (Ex 18,4; Dt 33,7; etc.). As
interpretações nesses versículos do Gênesis foram variadas. Há quem pense que
essa ajuda seria tanto um auxílio no trabalho (F. Delitzsch, A. Dillmann, T. C.
Vriezen), como para a continuidade da espécie (Agostinho,32 H.
Böhmer). M. Adinolfi, no entanto, diz que um auxílio no trabalho, o ser humano
o encontraria entre os animais. Os animais domésticos teriam essa função. Além
disso, M. Adinolfi chama a atenção de que não se pode simplesmente concluir que
nessa passagem bíblica já se possa falar em diferenciação de gênero, apesar de
que para isso se caminha. Em todo o
caso, o que parece ser importante é que Deus criou o ser humano necessitado de
algum auxílio. Diz o Eclesiastes: “Porque se caem, um levanta o outro; quem
está sozinho, se cai, não tem ninguém para levantá-lo” (Ecl 4,10). Seria, portanto característico do ser
humano necessitar de alguém que lhe esteja do lado. O texto não está mostrando papéis diferentes do homem e da mulher.
O ponto principal tem a ver com a constatação de que o ser humano não seria um
andrógino. Portanto, a continuidade da espécie deve acontecer de uma outra
forma. Foi também vista a peculiaridade do ser humano frente aos animais e
também a dimensão social. A pergunta que
se pode fazer agora é sobre como a espécie humana pode ter continuidade. Diante
dessa preocupação de alguém que fosse “c”,
mas não apenas pela reciprocidade que este ser humano representaria para ambos,
mas que também nessa reciprocidade houvesse algo mais, uma complementaridade
que pudesse fazer com que ambos pudessem mutuamente colaborar na continuidade
da espécie, gerando outros “kenegedô”.
Isso parece transparecer em dois momentos: quando de Adão é retirada uma
costela e quando ele diz “essa sim é carne de minha carne e osso dos meus ossos”
(Gn 2,23).
Quanto a questão do homem ser o cabeça da mulher conforme
1 Co 11.3b; Ef 5.23ª, 24b, significando que ele é o líder é outro grande erro
de interpretação. Cabeça não tem aqui a ver com autoridade de mando, mas FONTE.
Aqui está presente a ideia de proteção da mulher contra os inimigos. Há outros
textos em que podemos exegeticamente dizer Jesus é a autoridade a igreja, mas
não este.
2) Cremos que a mulher foi criada do homem (Gn 2.22; 1 Co 11.8; 1 Tm 2.13) como complemento encorajador, com dignidade e valor, para que juntos o “casal casado” pudesse refletir a imagem do Deus triuno, reproduzir novos adoradores, e realizar a Sua obra na Terra (Gn 1.27,28; 2.18, 20
Considerações: Correto. Deixando claro que a palavra “complemento” tem sentido no texto de reciprocidade e não de papéis.
3) Cremos que a mulher casada é chamada para submeter-se ao seu próprio marido (Ef 5.22; Cl 3.18; Tt 2.5 ; 1 Pe 3.1) como reflexo da submissão evidente entre a Igreja e Cristo (Ef 5.22-24, 32); que submissão é um mandamento divino que deve ser voluntário (não forçado), e caracteriza-se pelo “alinhamento” compulsório, mas espontâneo da mulher debaixo da liderança do marido, com santo temor e respeito (Ef 5.32; 1 Pe 3.1-6) num relacionamento de mútuo auxílio e encorajamento (Gn 2.18, 20).
Considerações: A interpretação do texto exegeticamente está errado. Primeiro há um mandamento para todos nós, homens e mulheres para que sejamos submissos um ao outro. Isto também se aplica dentro das relações conjugais. Se formos por esta “doutrina apresentada neste documento” , isto seria impossível acontecer m relação ao homem. Outra questão é que se traçarmos um paralelo entre Cristo e a Igreja, nestes termos, teremos sérios problemas em relação ao marido e a esposa quanto ao mando. Quando a igreja desobedece ela peca, mas quando uma mulher desobedece ao marido não sendo, digamos “submissa”, nem sempre é pecado. Vamos dizer que o marido queira sua submissão para coisas pecaminosas ela deverá ser submissa? E se não for, estará desobedecendo a Palavra, logo é pecado. Por isso a interpretação de cabeça tem a ver com fonte e não com autoridade nestes textos apresentados. O marido é a fonte de proteção da mulher e a mulher é a resposta de sua vida para todas suas atitudes, assim como Cristo é a fonte de proteção contra os inimigos da igreja e a mesma parte integrante de sua vida e obra.
4) Cremos que a responsabilidade final pelo andamento do lar é do homem (Ef 6.4; cf 1 Tm 3.1ss). Quanto à mulher, Deus delegou a mordomia normal do dia a dia da casa e da criação dos filhos (1 Tm 2.15; Tt 2.3-5; Pv 31.30-31).
Considerações: Completamente fora de uma exegese honesta dos textos. A responsabilidade final pelo andamento do lar é do casal. “E serão uma só carne”. A mulher está ao lado. Ela também é sacerdote do seu lar, no sentido de entregá-lo a Deus. Esta postura do homem ser sacerdote é influenciada pela igreja católica e pelo posicionamento machista e dominador. Hoje ambos devem cuidar de sua família e em harmonia estabelecerem os papéis que podem variar de acordo com a cultura.
5) Cremos que o pecado introduziu conflito nos papéis de homem e mulher e que a tendência da natureza humana manifestada tanto na Queda como depois dela foi uma inversão do plano de Deus para o casal, ou seja, mulheres insubmissas e homens opressores (Gn 3.16b; cf 4.7). Cremos que a obra de Cristo na Cruz possibilita ao homem a restauração do plano original de Deus de unidade em diversidade com diferenciação de papéis (2 Co 5.17; Gl 3.28; Ef 5.22-33; Cl 3.18,19; 1 Pe 3.1-7).
Considerações: A maior consequência do pecado na vida do casal Adão e Eva e a mais desastrosa foi a desestabilização da unidade dos dois seres humanos: ambos dominam os animais e depois do pecado um quer dominar o outro. Nasce a hierarquia conjugal, um desastre total. No Novo Testamento há uma ação embrionária para a atenuação deste problema, mas o ideal continua sendo o Éden antes do pecado. Um casal que vive em comum acordo, que anda junto e que distribui o trabalho e seus papéis de acordo com as necessidades apresentadas pela natureza.
6) Cremos que o Novo Testamento, e especialmente o ensino e o ministério de Jesus e do Apóstolo Paulo, resgataram e exaltaram a dignidade da mulher no meio de uma cultura e sociedade que a desvaloriza (João 4). Cremos que Deus dá muitas oportunidades para a mulher ministrar na Igreja e no mundo (Tt 2.3-5; At 9.32-43; Rm 16; 1Tm 3.11). Quanto às casadas a prioridade delas sempre deve ser cumprir seu papel no lar (1 Tm 2.11-15, Tt 2.4-5; 5.8ss), que posteriormente a qualifica para ministérios mais abrangentes e até mesmo para sustento na viuvez (1 Tm 5.9-16).
Considerações: A primeira parte da afirmação está correta. A segunda, errada. A questão não é somente falar sobre prioridades dentro de uma visão americanizada onde se pensa em 1º, 2º, 3º, etc. A questão é outra: a mulher casada precisa saber se organizar em suas ações. Há hora para a igreja e a hora para o lar assim como o homem deve fazer igualmente uma vez que os dois são companheiros de jornada. O texto prioriza a mulher porque o problema no momento estava relacionada a ela, mas se estivesse com o homem o mesmo critério seria usado.
7) Cremos que Deus reservou ao homem a responsabilidade pela liderança do lar e da igreja (1 Tm 3.1-7; Tito 1.5-9). Cremos que o ministério da mulher na Igreja restringe-se principal e prioritariamente ao ensino e discipulado de outras mulheres (Tito 2.5-9; 1 Tm 2.11-15). Cremos que a sua participação na igreja deve ser sempre em contextos que não envolvam o doutrinamento, a exortação ou a liderança de homens (1 Tm 2.11,12; 1 Co 14.34,35).
Considerações: Aqui está a pior declaração deste documento doutrinário. Dois pontos aqui: primeiro, “o homem como o líder do lar” – No Éden o padrão é o casal para dominar a criação, então antes do pecado os dois são líderes, andam em concordância e decidem juntos. Segundo, as afirmações que restringem o papel da mulher são estranhas à nós, batistas da CBB. Isto vai ao desencontro de toda a obra missionária onde mulheres sempre doutrinaram homens e os ensinaram. Todo o ministério de crianças da igreja onde na maioria das vezes foram as mulheres que ensinaram a doutrina aos meninos. Também temos que levar em consideração o contexto de Paulo e de sua sociedade. Hoje uma mulher que ensina um homem não é superior ao homem, mas instrumento de Deus em seus dons dispensados por Cristo como mestras e pastoras. Também não se pode ter uma separação entre o dia-a-dia onde muitas mulheres são chefes de vários homens e a igreja. Tudo faz parte do Reino de Deus em âmbitos diferentes.
Creio nos dons e não importa se Deus quer usar um homem ou uma mulher para realizar qualquer de suas obras. Deus age no ser humano. Um ser humano sem anomalias na área de gênero porque aí, sim, seria condenável.
Que Deus nos ajude a sermos bíblicos realmente e que ele faça justiça em nosso meio.
2) Cremos que a mulher foi criada do homem (Gn 2.22; 1 Co 11.8; 1 Tm 2.13) como complemento encorajador, com dignidade e valor, para que juntos o “casal casado” pudesse refletir a imagem do Deus triuno, reproduzir novos adoradores, e realizar a Sua obra na Terra (Gn 1.27,28; 2.18, 20
Considerações: Correto. Deixando claro que a palavra “complemento” tem sentido no texto de reciprocidade e não de papéis.
3) Cremos que a mulher casada é chamada para submeter-se ao seu próprio marido (Ef 5.22; Cl 3.18; Tt 2.5 ; 1 Pe 3.1) como reflexo da submissão evidente entre a Igreja e Cristo (Ef 5.22-24, 32); que submissão é um mandamento divino que deve ser voluntário (não forçado), e caracteriza-se pelo “alinhamento” compulsório, mas espontâneo da mulher debaixo da liderança do marido, com santo temor e respeito (Ef 5.32; 1 Pe 3.1-6) num relacionamento de mútuo auxílio e encorajamento (Gn 2.18, 20).
Considerações: A interpretação do texto exegeticamente está errado. Primeiro há um mandamento para todos nós, homens e mulheres para que sejamos submissos um ao outro. Isto também se aplica dentro das relações conjugais. Se formos por esta “doutrina apresentada neste documento” , isto seria impossível acontecer m relação ao homem. Outra questão é que se traçarmos um paralelo entre Cristo e a Igreja, nestes termos, teremos sérios problemas em relação ao marido e a esposa quanto ao mando. Quando a igreja desobedece ela peca, mas quando uma mulher desobedece ao marido não sendo, digamos “submissa”, nem sempre é pecado. Vamos dizer que o marido queira sua submissão para coisas pecaminosas ela deverá ser submissa? E se não for, estará desobedecendo a Palavra, logo é pecado. Por isso a interpretação de cabeça tem a ver com fonte e não com autoridade nestes textos apresentados. O marido é a fonte de proteção da mulher e a mulher é a resposta de sua vida para todas suas atitudes, assim como Cristo é a fonte de proteção contra os inimigos da igreja e a mesma parte integrante de sua vida e obra.
4) Cremos que a responsabilidade final pelo andamento do lar é do homem (Ef 6.4; cf 1 Tm 3.1ss). Quanto à mulher, Deus delegou a mordomia normal do dia a dia da casa e da criação dos filhos (1 Tm 2.15; Tt 2.3-5; Pv 31.30-31).
Considerações: Completamente fora de uma exegese honesta dos textos. A responsabilidade final pelo andamento do lar é do casal. “E serão uma só carne”. A mulher está ao lado. Ela também é sacerdote do seu lar, no sentido de entregá-lo a Deus. Esta postura do homem ser sacerdote é influenciada pela igreja católica e pelo posicionamento machista e dominador. Hoje ambos devem cuidar de sua família e em harmonia estabelecerem os papéis que podem variar de acordo com a cultura.
5) Cremos que o pecado introduziu conflito nos papéis de homem e mulher e que a tendência da natureza humana manifestada tanto na Queda como depois dela foi uma inversão do plano de Deus para o casal, ou seja, mulheres insubmissas e homens opressores (Gn 3.16b; cf 4.7). Cremos que a obra de Cristo na Cruz possibilita ao homem a restauração do plano original de Deus de unidade em diversidade com diferenciação de papéis (2 Co 5.17; Gl 3.28; Ef 5.22-33; Cl 3.18,19; 1 Pe 3.1-7).
Considerações: A maior consequência do pecado na vida do casal Adão e Eva e a mais desastrosa foi a desestabilização da unidade dos dois seres humanos: ambos dominam os animais e depois do pecado um quer dominar o outro. Nasce a hierarquia conjugal, um desastre total. No Novo Testamento há uma ação embrionária para a atenuação deste problema, mas o ideal continua sendo o Éden antes do pecado. Um casal que vive em comum acordo, que anda junto e que distribui o trabalho e seus papéis de acordo com as necessidades apresentadas pela natureza.
6) Cremos que o Novo Testamento, e especialmente o ensino e o ministério de Jesus e do Apóstolo Paulo, resgataram e exaltaram a dignidade da mulher no meio de uma cultura e sociedade que a desvaloriza (João 4). Cremos que Deus dá muitas oportunidades para a mulher ministrar na Igreja e no mundo (Tt 2.3-5; At 9.32-43; Rm 16; 1Tm 3.11). Quanto às casadas a prioridade delas sempre deve ser cumprir seu papel no lar (1 Tm 2.11-15, Tt 2.4-5; 5.8ss), que posteriormente a qualifica para ministérios mais abrangentes e até mesmo para sustento na viuvez (1 Tm 5.9-16).
Considerações: A primeira parte da afirmação está correta. A segunda, errada. A questão não é somente falar sobre prioridades dentro de uma visão americanizada onde se pensa em 1º, 2º, 3º, etc. A questão é outra: a mulher casada precisa saber se organizar em suas ações. Há hora para a igreja e a hora para o lar assim como o homem deve fazer igualmente uma vez que os dois são companheiros de jornada. O texto prioriza a mulher porque o problema no momento estava relacionada a ela, mas se estivesse com o homem o mesmo critério seria usado.
7) Cremos que Deus reservou ao homem a responsabilidade pela liderança do lar e da igreja (1 Tm 3.1-7; Tito 1.5-9). Cremos que o ministério da mulher na Igreja restringe-se principal e prioritariamente ao ensino e discipulado de outras mulheres (Tito 2.5-9; 1 Tm 2.11-15). Cremos que a sua participação na igreja deve ser sempre em contextos que não envolvam o doutrinamento, a exortação ou a liderança de homens (1 Tm 2.11,12; 1 Co 14.34,35).
Considerações: Aqui está a pior declaração deste documento doutrinário. Dois pontos aqui: primeiro, “o homem como o líder do lar” – No Éden o padrão é o casal para dominar a criação, então antes do pecado os dois são líderes, andam em concordância e decidem juntos. Segundo, as afirmações que restringem o papel da mulher são estranhas à nós, batistas da CBB. Isto vai ao desencontro de toda a obra missionária onde mulheres sempre doutrinaram homens e os ensinaram. Todo o ministério de crianças da igreja onde na maioria das vezes foram as mulheres que ensinaram a doutrina aos meninos. Também temos que levar em consideração o contexto de Paulo e de sua sociedade. Hoje uma mulher que ensina um homem não é superior ao homem, mas instrumento de Deus em seus dons dispensados por Cristo como mestras e pastoras. Também não se pode ter uma separação entre o dia-a-dia onde muitas mulheres são chefes de vários homens e a igreja. Tudo faz parte do Reino de Deus em âmbitos diferentes.
Creio nos dons e não importa se Deus quer usar um homem ou uma mulher para realizar qualquer de suas obras. Deus age no ser humano. Um ser humano sem anomalias na área de gênero porque aí, sim, seria condenável.
Que Deus nos ajude a sermos bíblicos realmente e que ele faça justiça em nosso meio.
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