BLOG DA PASTORA ZENILDA


Pra. Zenilda Reggiani Cintra
As opiniões deste blog refletem a minha visão e não, necessariamente, a de outras pastoras da CBB.
Por favor, ao reproduzir textos deste blog indique o link: http://pastorazenilda.blogspot.com/. Obrigada.

sábado, 30 de novembro de 2013

MULHERES E A IMPOSIÇÃO MASCULINA NO NOVO TESTAMENTO

Martin Norberto Dreher*

As exposições da história do cristianismo primitivo partem, por via de regra, com a pressuposição de que os missionários primitivos e os dirigentes da igreja antiga foram apenas homens e não mulheres. Os textos que não estão de acordo com essa perspectiva androcêntrica são reinterpretados! veja em alguns exemplos: em Romanos 16.7 lemos: "Saudai a Andrônico e Junia, meus parentes e companheiros de prisão, os quais são notáveis entre os apóstolos, e estavam em Cristo antes de mim".  Partindo da suposição de que o apóstolo só pode ser um homem, muitos dos comentadores da Carta aos Romanos interpretam o nome Júnia como sendo nome de homem.

Também em Romanos 16.1 -3 aparece uma mulher de nome Febe, diákonos da igreja em Cencréia, e que é também designada de prostátis. A versão Almeida traduz diákonos com "que está servindo igreja (...)". A Bíblia de Jerusalém fala em "diaconisa da igreja de Cencréia".  A maioria dos autores, quando se trata de homem (Apolo, Timóteo ou Tíquico), traduz diákonos por diácono. Partindo de uma compreensão androcêntrica do novo Testamento, os exegetas e tradutores pressupõem automaticamente que as mulheres mencionadas nas cartas paulinas sejam auxiliares de Paulo. Não conseguem admitir que essas mulheres tenham sido missionárias, apóstolas e dirigentes de comunidades na era apostólica. Em nenhuma oportunidade é afirmado que essas mulheres estejam subordinadas a Paulo em sua tarefa missionária ou de direção; o apóstolo Paulo trabalhou, lado a lado, com mulheres e reconheceu a autoridade delas. Febe era diaconisa e presidia a comunidade de Cencréia.

Outro aspecto que deve ser considerado, quando se fala em androcentrismo e a exegese neotestamentária, é o fato de que conceitos como santos, eleitos, irmãos, filhos são considerados designativos para todos os membros da comunidade, portanto também para as mulheres, mesmo que os conceitos sejam masculinos. Por outro lado, como são interpretados conceitos como profeta, mestre, diácono, colaborador na missão, apóstolo e bispo? Todos esses também são masculinos, como os anteriores, mas na exegese só vão ser aplicados a homens, e não a mulheres. Dessa maneira pressupõe-se de saída que Júnia e Febe foram auxiliares. Jamais se ousa dizer que também elas tenham tido função dirigente na comunidade. Ora, que isso seja assim tem sua razão de ser em toda a História da Igreja e também entre nós hoje. Como a Bíblia é modelo e norma para a igreja, reconhecer que na igreja antiga a mulher teve funções dirigentes significaria renunciar ao primado patriarcal na igreja. A mulher poderia ser bispo, presidente de igreja etc. Consequentemente, a dogmática e o direito eclesiástico deveriam ser modificados em muitas denominações cristãs.
Os relatos do Novo Testamento são pregação engajada e testemunho cristão.


Pode-se enxergar porém algumas alterações que parecem ter sido propositais. Permito-me apresentar algumas contradições existentes no Novo Testamento. Sabemos, por exemplo, que houve mulheres discípulas de Jesus (Mt 27.55; Mc 15.41). Sabemos também que mulheres foram as primeiras testemunhas da ressurreição. No entanto, nenhuma mulher fez parte do circulo dos doze. Jesus curou mulheres, teve conversas com elas, tratou delas e de seu mundo em muitas parábolas, mas em nenhuma parte dos evangelhos é relatado com detalhes a vocação de uma mulher. Parece que só homens foram vocacionados. No entanto, os evangelhos sabem que mulheres foram as primeiras a descobrir o sepulcro vazio na manhã da Páscoa. Ao falarem das testemunhas da ressurreição, porém, só apresentam nomes de homens. Em Marcos, capítulo 14.3-9, é narrada a cena da mulher que ungiu Jesus, proclamando-o como o Cristo. No v. 9 é dito: "Onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua". A triste realidade, porém, é que não sabemos qual o seu nome. Foi esquecido!

Os Atos dos Apóstolos citam muitas mulheres que põem suas casas e suas propriedades a serviço da igreja. Jamais, no entanto, Lucas falou em mulheres missionárias. A missão é para ele tarefa masculina! Lucas conheceu mulheres profetas, mas nada disse sobre sua função na comunidade. Mesmo assim, existem algumas referências que deixam entrever a atividade feminina na comunidade de Lucas. 
Essa atividade fica mais evidente ao levarmos em conta que um dos códices que reproduzem o Novo Testamento, o Códice Bezae Cantabrigiensis (D,) altera todas as passagens que deixam entrever a possibilidade de alguma proeminência da mulher. Cito alguns exemplos. Em Atos 17.4 lemos: "Alguns deles foram persuadidos e unidos a Paulo e Silas, bem como numerosa multidão de gregos piedosos e muitas distintas mulheres". A autonomia das distintas mulheres incomodou tanto o autor do Códice que ele alterou o texto Sua versão diz: "(..) e muitas mulheres de distintos (...)". 17.1 2, lemos: "Com isso muitos deles creram, mulheres gregas de alta posição, e não poucos homens" O Códice D altera: "(- .) homens gregos de alta posição e mulheres ( ) As mulheres passam, automaticamente, a ser esposas. Em At 1.14 lemos: '"Todos estes perseveram unânimes em oração, com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele" D coloca após ''mulheres' as palavras 'e crianças'. Com essa pequena intercalação, as mulheres são transformadas em esposas dos apóstolos e fazem parte da família perdendo sua autonomia. At 15.26,Lucas fala de "Priscila e Áquila'". Note-se que menciona a mulher antes do homem, na opinião de D, isso não é correto. Por isso ele inverte a ordem: "Aquila e Priscila". Sabemos que a pátria do autor do Códice D é a Ásia Menor. Ali, no séc II, toda mulher era, de saída, candidata à herege. Diferente da realidade dos escritos de Lucas são as cartas paulinas. Paulo conhece, em 1 Co11.2-16, mulheres que profetizaram na comunidade, mas exige que adotem a moda oficial. 1 Co 14.33-36, por outro lado, tem caráter claramente negativo.

Entre os exegetas, porém, não há consenso quanto ao fato de a exigência da mulher calar na igreja ser ou não ser interpolação(acréscimo) posterior. Quanto mais dogmática for sua posição, mais propensos estarão em negar o caráter interpolatório do texto. Exegeticamente, porém, não há dúvidas quanto ao fato de o texto ser inserção posterior, oriunda de I Tm 2.9-15. Nos evangelhos apócrifos é abundante a atividade das mulheres. No decorrer do tempo até século III e IV, ainda via-se atividades de lideres mulheres, porém com Constantino veio o fim da atividade feminina no reino, a mulher ficou sem espaço.

* Martin Norberto Dreher - (
Montenegro, 1945) é um pastor luterano, professor e historiador brasileiro. É professor de História da UNISINOS, tem diversas obras vinculadas à história da Reforma do século XVI, da igreja na América Latina, história da colonização e imigração na América Latina, principalmente germânica.(Artigo enviado por Welisson B.H.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário