Edição
no. 40 – Abril/Maio 2014
“Para Zenilda Cintra, as
igrejas que rejeitam a ordenação pastoral feminina atribuem papel inferior às
mulheres”
Entrevista
por Carlos Fernandes
A
pastora Zenilda Cintra, da Igreja Batista Esperança, em Taguatinga, DF,
tornou-se nacionalmente conhecida ao ser recebida como membro da Ordem dos
Pastores Batistas do Brasil, OPBB (Houve um equívoco. Não fui recebida pela OPBB. Veja: EU NÃO SOU A PRIMEIRA PASTORA BATISTA! ). Nesta conversa com CRISTIANISMO HOJE, ela fala sobre seu chamado e ministério
e avalia as controvérsias acerca da ordenação pastoral feminina.
CRISTIANISMO HOJE – O
reconhecimento de sua ordenação pastoral pela Ordem dos Pastores Batistas do
Brasil (OPBB) pode inaugurar um período de mudanças de postura em relação ao
pastorado feminino na sua denominação?
ZENILDA
REGGIANI CINTRA – Não se trata, apenas, do reconhecimento da minha ordenação,
mas de uma decisão que trará muitas mudanças a médio prazo. Acredito que tudo é
um processo gradativo que começou há muitos anos. Temos cerca de 180 pastoras
nas igrejas batistas e a decisão da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil resolveu
parcialmente a questão. Agora, cada seção da Ordem, que é composta de pastores
de um estado ou região, ainda irá decidir se filia ou não as pastoras. À medida
que as OPBBs forem decidindo pela filiação, haverá muitas mulheres ordenadas.
Penso que temos uma grande batalha pela frente. Recebo muitos e-mails de
mulheres que estão com o seu processo todo pronto, somente aguardando essas
decisões.
Neste sentido, a senhora se
sente uma espécie de pioneira, uma representante do segmento feminino na
igreja?
Acredito
que o meu papel tem sido o de ser uma voz entre as pastoras para a estrutura
denominacional. Quando surgi no cenário batista como pastora, por causa do meu
trabalho anterior na denominação, ninguém poderia dizer que eu era uma
aventureira. Até aquele momento, o assunto era tratado por homens como se a
questão do pastorado feminino fosse única e exclusivamente uma decisão deles. Então,
acredito que Deus usou tudo isso para que as pastoras começassem a ser ouvidas.
Comecei a trabalhar com informações, divulgando o número de pastoras à medida
em que crescia e também textos e estudos favoráveis ao pastorado feminino, a
fim de provocar uma reflexão, uma mudança de mentalidade. Lógico que não
trabalhei sozinha em tudo isso. Houve o papel imprescindível das pastoras que
foram lutando, da maneira como podiam, em seus espaços. Tive também um apoio
decisivo do diretor-geral da Convenção Batista Brasileira [CBB], pastor Sócrates
de Oliveira, que abriu portas para as pastoras e sempre as tratou com muito
respeito.
Como foi a sua trajetória?
Nasci
em um lar cristão, batista. Meu pai era evangelista e cuidava de igrejas junto
com a minha mãe. Eu e meus quatro irmãos sempre fomos muito envolvidos com a
igreja, e foi nesse ambiente que desenvolvi a minha fé e meus talentos. Com 19
anos, fui estudar no Instituto Batista de Educação Religiosa, no Rio de
Janeiro. Quando me formei, em 1980, meu discurso como oradora da turma já foi a
respeito da vocação da mulher. Recebi um convite para trabalhar na sede da
Junta de Missões Nacionais da CBB. Lá fiquei durante mais de sete anos,
inclusive gerenciando a área de Comunicação. Durante os anos que se seguiram,
li e estudei muito a respeito de ordenação feminina, até que aceitei que o
chamado de Deus era para mim, também. Quando me
casei, acompanhei meu marido, o pastor
Fernando Cintra, em várias igrejas no estado de São Paulo. Em 2004, fui
ordenada na Igreja Batista Curuçá, em Santo André. Nos últimos três anos,
estamos na Igreja Batista Esperança, em Taguatinga (DF), que votou para me
receber como pastora. Paralelamente ao trabalho na igreja, atuei também em outras
instituições denominacionais, como a Convenção Batista do Estado de São Paulo,
Diretoria da União Feminina Missionária Batista do Brasil e outras.
Sua ordenação seguiu a tradição
batista, ou seja, foi examinada por um concílio de pastores e depois
consagrada?
Foi
realizada uma assembleia na igreja, fizeram perguntas e votaram um documento de
ordenação. O concílio de pastores não aconteceu porque estávamos em São Paulo,
um estado muito resistente, na ocasião, às pastoras, e não queríamos problemas
para a igreja. Mesmo assim, tivemos algumas dificuldades com a liderança local.
Agora, depois que houver a votação aqui no Distrito Federal, então deverei,
depois de 34 anos de formada, passar por um concílio de pastores para cumprir
as exigências da OPBB.
Como será, daqui por diante,
sua participação junto aos demais pastores batistas em convenções e outros
eventos denominacionais? A senhora acha que pode haver alguma cobrança ou
constrangimento?
Não
tenho dificuldade de convivência, inclusive com os que são declaradamente
contra pastoras. Muitos pastores me tratam com respeito e amor cristão, e faço
o mesmo. Mas há uma parcela de pastores que, por não quererem me chamar de
pastora, nem se aproximam e agem com indiferença a meu respeito. Às vezes, isso
dói, mas estou há tanto tempo enfrentando essas dificuldades que supero,
recebendo o consolo de Deus. As igrejas batistas, de modo geral, por causa da
sua historicidade, são consideradas como sérias na questão do ensino e
obediência aos princípios bíblicos. Portanto, acredito que o fato de os
batistas aceitarem pastoras influenciará positivamente outras denominações,
especialmente as históricas.
Boa parte dos evangélicos que
se opõem ao sacerdócio feminino usam os escritos de Paulo para justificar sua
postura. Por outro lado, os defensores argumentam que deve haver uma
contextualização do texto e regras bíblicas aos tempos modernos. Quem tem
razão?
A
igreja é um reflexo da sociedade e, infelizmente, muitas vezes ela não se
sobrepõe aos conceitos sociais que lhe são impostos. A atribuição de um valor
menor às mulheres, ou o impedimento a que elas sejam cidadãs plenas, tanto da
sociedade quanto do Reino de Deus, é algo comum de se encontrar nas igrejas,
disfarçado de obediência à Bíblia. Esses conceitos pseudorreligiosos de
supremacia masculina trazem muito sofrimento às mulheres e às famílias. Por
mais que a igreja tenha esse discurso de dominação em amor, isso não existe.
Dominação sobre outro ser humano é o contrário do amor. Falta, em nossas
igrejas, estudos de gênero, do papel da mulher à luz dos ensinos de Jesus, na
perspectiva de igualdade na diversidade, para trazer um ambiente saudável para
as igrejas e as famílias. Tudo é uma questão da interpretação que se dá aos
textos. Os que são contrários à ordenação feminina dificilmente olham para o
ensino geral das cartas de Paulo e a presença forte de mulheres em seu
ministério, com diversos tipos de funções. Os favoráveis ao pastorado feminino
interpretam o conjunto das Escrituras à luz dos ensinos de Jesus e fundamentam
nisso, e não no movimento feminista, a ordenação de pastoras. É lógico que o
feminismo propiciou um novo tempo de reflexão a respeito do papel da mulher – e,
se hoje elas votam, estudam, trabalham e têm direitos no casamento e sobre
filhos, isso se deve ao feminismo, tão execrado no meio evangélico, inclusive
por muitas mulheres que se esquecem que elas próprias expressam sua opinião como
resultado desse movimento.
Não.
Acho manipulador e desonesto esse argumento de que pastoras e feminismo são a
mesma coisa. Não são. O chamado de Deus para mulheres está respaldado na Palavra
de Deus. O movimento feminista, com suas conquistas que alcançaram todas as
mulheres, criou um ambiente propício para trazer novamente a possibilidade do
exercício do ministério pastoral por mulheres, o que foi comum no início da
Igreja cristã, segundo os mais avançados estudos das ciências bíblicas. As
conquistas sociais e políticas da mulher refletiram-se eclesiasticamente e
criaram um ambiente favorável para se discutir novamente o papel feminino na
Igreja, tão sufocado a partir do quarto século. Porém, essa não é a base para a
aceitação de pastoras que, repito, é a Palavra de Deus. Como as igrejas, de
modo geral, podem ficar indiferentes ou reforçar essa crença de inferioridade
feminina? Acredito que a ausência de mulheres nas instâncias de liderança da
Igreja deixa incompleta a ação em favor das pessoas. A radicalidade e a
intolerância fazem com que, com o tempo, as pessoas se desinteressem pelo
discurso religioso – acho que é por isso que muitos segmentos religiosos diminuem.
Nas sociedades modernas, as
mulheres estão ocupando muitos espaços. Qual o efeito disso para a tradiconal identidade
masculina? Os homens, antes dominadores, estão ameaçados por esse poder
feminino?
Homem
e mulher são duas modalidades do ser humano, macho e fêmea. O ideal de Deus,
ordenado na criação, é que ambos sujeitassem a natureza, e não um ao outro. O
pecado originou a dominação do homem sobre a mulher, anulada na cruz, e nossa
cultura tende a colocar a identidade masculina firmada nessa dominação. O fato de a mulher exercer toda a sua
potencialidade, quer no ambiente profissional, acadêmico ou eclesiástico, não
deveria interferir na identidade masculina. O homem deve procurar exercer o
propósito para o qual Deus o chamou e desenvolver suas potencialidades, seja em
que área for, como também a sua sexualidade masculina. Há um certo consenso em
se pensar que os homens ficaram um tanto confusos com esses novos papéis da
mulher, mas hoje há um olhar especial também para eles, inclusive no meio
evangélico, com lançamentos de livros e ministérios voltados para esse público.
Esperamos que esse novo olhar venha ajudar esse homem a perceber e se apropriar
da sua identidade respaldada na Bíblia, e não resgatar comportamentos e
exigências que oprimiam, inclusive, a própria figura masculina.
O papel da mulher, sobretudo a
mulher de pastor, nas igrejas evangélicas, concentra-se normalmente em
atividades como aconselhamento, educação bíblica, apoio às famílias, trabalho
com crianças etc. Essas tarefas, embora importantes, não reduzem a atuação
feminina na igreja a uma posição secundária?
Acho
que cada mulher tem o seu chamado. Esposa de pastor é um papel extremamente digno
e pouco valorizado em muitas igrejas. Há muitas heroinas no meio evangélico
chamadas de esposas de pastor. Tenho muito respeito por cada uma delas porque
eu também, além de ser pastora, sou esposa de pastor. Então, sei perfeitamente
bem o papel fundamental que a maioria delas exerce para que o marido tenha um
ministério bem sucedido. No entanto, há muitas esposas de pastor vocacionadas
por Deus para serem pastoras e tiveram seus chamados independentemente do tempo
e do espaço do marido. Não é uma questão de se sentirem diminuídas, mas de
serem impedidas de exercer seu ministério plenamente.
Quais as vantagens de uma
pastora sobre um colega do sexo masculino no trato com a congregação e nas
atividades eclesiásticas?
Não
acho que haja vantagens ou desvantagens. Há uma complementaridade. Homens e
mulheres, trabalhando juntos, constituem uma parceria saudável para a igreja e
para o Reino de Deus. Não acredito que um seja melhor que outro, mas que se
completam, fornecendo visões diferentes – masculina e feminina – para o
ministério da igreja e para apascentar o rebanho.
O que a senhora espera, tanto
para o seu ministério como para o de outras obreiras?
Sonho com
o dia em que qualquer mulher, chamada por Deus, em qualquer lugar deste país,
tenha todas as condições e incentivo para desenvolver a sua vocação,
preparar-se adequadamente, ser consagrada e servir a Deus e às igrejas batistas
do Brasil no ministério pastoral. Entendo a luta de cada uma, mas espero que
não desistam. Temos muitas barreiras a enfrentar, quer institucionais ou
ministeriais, mas precisamos permanecer firmes, obedecendo ao chamado de Deus.
Estamos trilhando o caminho do pioneirismo e, por isso, pagamos um preço que,
às vezes, parece muito alto, em termos de oposição e até contra a nossa
dignidade. Penso que a mulher que tem um chamado precisa tanto dialogar como
lutar para conquistar seu espaço no lugar em que Deus a colocou. Caso essa luta
não tenha resultados, então a mulher deve procurar um outro lugar, mas nunca
deixar de exercer a sua vocação.
Pastora eu acompanho a lista do vital, é de doer a ignorância e a frieza dos Pastores que de nada entendem e ainda "se acham" rsrs , em tempo indico a leitura de TEOLOGIA DAS MULHERES, a quem Deus revelou seus mistérios. - fonte editorial http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4241725/teologia-das-mulheres-a-quem-deus-revelou-seus-misterios/ EXCELENTE leitura, conciso, denso, uma estudo profundamente preparado, percorrendo toda a Biblia em detalhes. fica a dica :) abraço
ResponderExcluirwelisson