No terceiro maior grupo religioso do Brasil, elas sobem ao altar – e não é para casar
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/02/batistas-abrem-espaco-para-que-mulheres-sejam-bpastorasb.html
COM REPORTAGEM DE RUAN DE SOUSA GABRIEL
16/02/2014 10h00 - Atualizado em 16/02/2014 16h47
Aos 22 anos, em 1980, Zenilda Reggiani Cintra concluiu um curso de teologia ligado à Igreja Batista. A jovem sentia-se vocacionada ao serviço religioso, mas se conteve. O ambiente na Convenção Batista Brasileira (CBB), segundo maior grupo evangélico do país, era restrito à participação feminina. Zenilda passou a atuar em sua paróquia anos depois, após casar-se com um pastor. Em 2004, os fiéis lhe concederam o título de pastora. A Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), porém, não reconhecia a validade do ministério feminino. Isso restringia a atuação das pastoras a suas comunidades de origem, já que muitas igrejas exigiam que seus líderes fossem filiados à Ordem. De 10.356 pastores filiados, apenas dez são mulheres. Agora, o espaço das pastoras tende a aumentar. Em 22 de janeiro, a OPBB aprovou o ingresso de mulheres na entidade. “A decisão da Ordem facilita o caminho para a ordenação de outras mulheres que atendem ao chamado de Deus”, diz Zenilda.
Grande parte das religiões monoteístas do Ocidente tem ou já teve restrições ao papel da mulher. As igrejas evangélicas e a Igreja Católica são originárias do cristianismo primitivo. Acreditam que Jesus Cristo é filho de Deus e seguem a Bíblia como livro sagrado. Jesus tinha mulheres entre seus discípulos, mas escolheu 12 homens para ser seus apóstolos. O Evangelho de São Mateus diz: “Jesus reuniu seus 12 discípulos. Conferiu-lhes o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todo mal e toda enfermidade. Eis os nomes dos 12 apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor”. Nenhuma mulher é citada.
O debate mundial sobre a inclusão da mulher na alta hierarquia dos grupos religiosos só ganhou força a partir do século XX. Foi motivado menos por discussões de teólogos, dentro de seminários, e mais pela mobilização da mulher para ocupar espaços iguais aos do homem. Ainda hoje o tema rende polêmicas acesas entre os cristãos de diferentes denominações.
No artigo “Ordenação feminina: o que o Novo Testamento tem a dizer?”, o teólogo presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes divide as opiniões sobre a inclusão da mulher entre “diferencialistas” (contra) e “igualitaristas” (a favor). Os diferencialistas afirmam que homens e mulheres foram criados com papéis distintos e que cabe ao homem exercer autoridade em casa e na igreja. Buscam argumento em trechos da Bíblia, como a recomendação de São Paulo a Timóteo, um dos líderes do cristianismo primitivo: “Não permito que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”.
Segundo Lopes, a referência de Paulo à narrativa do Gênesis para justificar a proibição à ordenação das mulheres revela a crença de que a mulher está mais suscetível ao erro religioso. A ordenação feminina, diz Lopes, é uma violação dos princípios que Paulo percebe na narrativa da criação do gênero humano e na queda do homem.
Os igualitaristas são favoráveis à participação mais ativa da mulher nas religiões, por entender que as diferenciações resultantes do pecado original foram apagadas pelo sacrifício de Cristo. O argumento também está embasado nas palavras de São Paulo: “Não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”, disse aos gálatas. Além de buscar nas escrituras evidências de mulheres que ocupavam posições de destaque na igreja primitiva, como as profetisas citadas na Bíblia ou várias mulheres lembradas por São Paulo em suas cartas às igrejas, os defensores da ordenação de pastoras argumentam que o texto bíblico deve ser contextualizado. Para a teóloga Sandra Duarte de Souza, os argumentos sociológicos atuais são legítimos, mesmo numa discussão religiosa. “Os argumentos contra as sacerdotisas só encontram acolhida hoje porque ainda vivemos numa cultura patriarcal”, diz. “A localização do texto bíblico em seu contexto histórico permite outras possibilidades de interpretação”, diz Breno Martins Campos, professor de pós-graduação em religião da PUC de Campinas, São Paulo.
Na Igreja Católica, a perspectiva da ordenação de mulheres ainda é distante. Quando a Igreja Anglicana – denominação protestante mais próxima dos católicos – passou a ordenar mulheres, em 1994, o papa João Paulo II divulgou uma Carta Apostólica para reafirmar que o ministério é reservado aos homens. O papa Francisco defende mais espaço para as mulheres no catolicismo, mas não no sacerdócio. “Devem ser valorizadas, não clericalizadas”, reafirma o papa, em meio a todas as suas promessas de renovação da Igreja Católica.
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