“Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; porquanto a letra mata, mas o Espírito vivifica!” (2Co 3:6)
Pr.Dr.Josué Mello Salgado
1) “por que mudar? Sempre foi assim! Entre os batistas o assunto só começou a ser tratado há uns 15 anos”.
A discussão entre os batistas brasileiros é muito mais antiga. Em 1992, há 22 anos portanto, quando fui para a Alemanha acompanhei o debate pelo Jornal Batista. Falta-me tempo e disposição para fazer uma pesquisa para apresentar uma hipótese: a discussão do assunto é cíclica e muito antiga. Em determinado momento o assunto surge, é abafado por críticas nem sempre corretas e adormece para surgir novamente mais tarde.
Gosto do princípio reformado “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est”, que significa “igreja Reformada, sempre se Reformando”. O que a história da igreja nos ensina é que há necessidade sempre de se refletir sobre a nossa história para verificar se não nos afastamos dos princípios neotestamentários.
Muitos dos oficiais da Igreja Católica Romana disseram sobre a Reforma Protestante: por que mudar? Nós sempre entendemos assim. Há 1517 anos nos pensamos assim, como inclusive nos ensinaram os nossos papas!”.
Vejam como é falaciosa a argumentação à partir da posição que ocupamos. Não me parece que utilizar da mesma argumentação com a qual as ‘mudanças’ na igreja católica romana foram rechaçadas, inclusive as trazidas pela reforma, seja uma boa opção.
Se há uma verdade teológica escondida debaixo de nossas práticas, sejamos corajosos para varrer a poeira para encontrar a dracma perdida!
2) “em toda a Bíblia não se encontra mulher liderando”
“Jesus fez na presença dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
Muitas outras coisas há que fez Jesus; se elas fossem escritas uma por uma, suponho que nem no mundo inteiro caberiam os livros que se escrevessem” João 20:30, 31, 21:25.
Deus é muito maior do que a Bíblia. A Revelação de Deus é muito mais ampla do que o que ficou registrado. “Já por carta vos escrevi que não vos comunicásseis com os que se prostituem” 1 Coríntios 4:9. Vejam aí como a Revelação de Deus é muito maior do que o que temos em nossas mãos. Ao escrever a nossa primeira carta aos Coríntios Paulo diz que já tinha escrito por carta aos Coríntios. Há portanto outros livros que não estão no nosso cânon. A história do cânon é tão complexa e intrincada que é difícil afirmar que a Revelação de Deus
se limita aos 66 livros da nossa Bíblia.
“As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam reverentes no seu viver, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras do bem” (Tito 2:3). Vamos ver como soava parcialmente esse texto no grego: “Presbutidas...mede oino pollo dedoulomenas, kalodidaskalous”, literalmente “Presbutidas... nem vinho muito escravizadas, boas mestras”. Colocando de forma mais clara: “As presbutidas não sejam dadas a muito vinho, que sejam boas mestras”.
1 Timóteo 3:1-7 – Paulo diz que o Episkopos deve ser apto para ensinar e que não deve ser “dado ao vinho” e ao escrever sobre os diáconos diz (vs. 8) diz “não inclinado a muito vinho” ou seja “me oino pollo prosekontas.
A afirmação de que a expressão “marido de uma só mulher” (1 Timóteo 3:2) usado tanto para se referir ao Epíscopos quanto para os diáconos (1 Timóteo 3:12) demonstra que a mulher não pode ser pastora, só esposa de pastor, é literalista e ao meu ver impraticável. Teríamos que na mesma linha de raciocínio afirmar que o pastor e o diácono só podem ser casados, não solteiros. O próprio Paulo não poderia impor uma regra dessa, quando ele mesmo não era casado e recomenda em 1 Coríntios 7 que pessoas fiquem solteiras. Em Mateus 19:12 Jesus diz que alguns se fazem eunucos por causa do Reino e o próprio Jesus não era casado. Vê-se por aí que a expressão “marido de uma só mulher” não pode ser tomada ao pé da letra, nem fundamentar uma rejeição às mulheres pastoras.
Pela qualificação dada àquelas mulheres citadas em Tito, fica difícil para mim não afirmar que essas Presbutidas exerciam, sim, liderança de ensino na igreja e que ocupavam sim um “ofício” na Igreja. Aliás a palavra ofício (que não se encontra na Bíblia!!!) significa ocupação, atividade, cargo ou FUNÇÃO! Vê-se também por aí que nem sempre nossas afirmações bíblicas se restringem como queremos só à Bíblia! Valemo-nos de expressões e até modelos de pensamento extra-bíblicos em muitas de nossas argumentações. Não há como ser diferente! Não existe nenhum intérprete exclusivamente bíblico!!!
Pedro escrevendo em sua primeira epístola diz: “Aos anciãos, pois, que há entre vós, rogo eu, que sou ancião com eles” (1 Pedro 5:1). No grego lê-se assim: “Presbuterous... ó sum-presbuteros”.
Fica difícil, já pelas qualificações exigidas, já pelo papel de mestras ou ensinadoras, já pelo termo utilizado presbutidas, claramente da mesma raiz de presbuterous, não concluir que as mulheres mencionadas em Tito tenham exercido liderança nas igrejas, e liderança semelhante a de um pastor.
3) “devemos ser bíblicos e seguir o que a Bíblia ensina sobre as mulheres”
1 Coríntios 14:34-35 - “as mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja.”
Há uma escola de interpretação bíblica cujo método é o literalista, isto é, aquele que se restringe à interpretação literal dos textos. Nesse caso reproduz-se exatamente, palavra por palavra, determinado texto sem levar outros fatores como os culturais, o sentido da palavra na época, o tipo literário (se é poesia, se é prosa, se há uso de linguagem simbólica) etc...
Como na Bíblia não há um texto claro interditando ou autorizando a imposição de mãos sobre mulheres para o ministério pastoral, busca-se outros textos, por exemplo, o que trata da relação esposo e esposa, inclusive este de 1 Coríntios 14.
Estava havendo confusão na Igreja de Corinto (“porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz” – 14:33). Paulo então argumenta claramente que “as mulheres (as esposas) estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar... como também ordena a lei”. Essa lei necessariamente não precisa ser a lei de Deus, mas pode ser regras advindas dos costumes, tradições e convenções de uma determinada cultura. E é o que entendo por lei aqui. Para evitar uma catástrofe naquela igreja Paulo cita uma regra da ‘lei’ que para aquele momento e contexto era a melhor. Notemos que Paulo não diz “eu não permito” ele diz “não lhes é permitido falar”. É preciso lembrar que esse texto fala de esposas, não de mulheres, eis que estas tinham maridos.
Como esse texto vem sendo aplicado de forma literalista como “texto de prova” contra a imposição de mãos sobre mulheres para o exercício do ministério pastoral pergunta-se: como entender a visível contraposição paulina em Tito 2:3? Os dois textos são absolutamente claros. Em coríntios a mulher deve ficar calada e se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos. Em Tito as Presbutidas devem ensinar bem.
Se vamos ser literalistas sejamos consequentes. Se vamos usar o texto de 1 Coríntios 14:34-35 para justificar que a mulher não pode falar na igreja e por isso não pode ensinar (o que é a função fundamental do pastoreio ver Efésios 4:11 e 1 Timóteo 3:1) então devemos destituir todas as mulheres diaconisas, professoras de escola dominical, membros da diretoria da igreja, líderes de ministérios ou de departamentos. Diretoras de EBD, nem pensar!
Não há possibilidade de adotando o método literalista, afirmar que o texto está falando do silêncio da mulher na igreja como pastora e que mulheres que ensinam na EBD da igreja estão permitidas porque estão debaixo da liderança de um pastor homem! A argumentação é falaciosa e contraditória. Ou se adota a interpretação literalista para toda a Bíblia ou escolhe-se outro método hermenêutico mais coerente.
A interpretação literalista é absolutamente impraticável. A letra mata, mas o espírito vivifica. Em questões onde a Bíblia não é clara e explícita, de nada vale tentar encontrar textos de prova que tratam de questões absolutamente distintas. O pano de fundo histórico e cultura não pode ser ignorado. É impossível entender um texto sem fazer essa digressão hermenêutica.
Uma interpretação literalista de 1 Pedro 3:1, 6 determinará por exemplo uma obediência tão absoluta das esposas aos seus esposos que elas terão que chama-los de “senhor”: “Vós, mulheres, sede submissas a vossos maridos...como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, se fazeis o bem e não temeis nenhum espanto”. Está na Bíblia ou não está? Não creio que fazer isso seja ser bíblico. Não creio que a interpretação literalista seja a mais adequada. Precisamos entender o texto dentro do seu contexto histórico, cultural, literário e é claro teológico!
O melhor exemplo de como o judaísmo trata a mulher até hoje nos vem do muro das lamentações. Os ortodoxos judeus insistem em que mulheres sejam proibidas de orar na parte reservada para eles, homens. Assim reservam creio que 1/5 do muro das lamentações para mulheres. Para eles isso é coerente já que mulheres sequer eram citadas nas linhagens. Essa visão mantida até hoje foi o contexto cultural em torno do qual a Bíblia foi escrita. Ignorar isso é abrir mão de toda uma história rica de interpretação e hermenêutica bíblica.
Em 1 Coríntios 7 o apóstolo Paulo trata de responder a questões levantadas pelos Coríntios sobre casar ou permanecer solteiro (“ora, quanto às coisas de que me escrevestes...” – 7:1). No decorrer do texto Paulo fala de suas opiniões, da liberdade de escolha dos irmãos e de mandamentos do Senhor. Ao final do capítulo ao tratar de uma
3 - questão para a qual não tinha mandamento claro do Senhor ele diz: “...segundo o meu parecer, e eu penso que também tenho o Espírito de Deus” (7:40). Eis aí um princípio bíblico muito claro quando se trata de questões para as quais não temos mandamento do Senhor, e creio que a imposição de mãos sobre mulheres para o ministério pastoral se insere nesse contexto.
A Bíblia e a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira nos dizem que o chamado para o ministério pastoral é prerrogativa exclusiva de Deus. É Ele quem chama quem quer para colocar onde Ele mesmo quer. O pastoreio não é exclusividade dos homens, visto que Deus tem chamado muitas mulheres para apascentar o seu rebanho. Assim tem compreendido a Convenção Batista Brasileira nos seus mais de 140 anos de história (143) pois tem enviado muitas mulheres para apascentar, sim pastorear, ovelhas de Jesus em muitos campos missionários. Elas estão nos campos plantando igrejas, administrando-as, aconselhando, pregando, ensinando, consolando, admoestando; ‘funcionando’ exatamente como pastoras.
Que a nossa decisão sobre filiação a ordem não seja uma desobediência a soberania absoluta de Deus, Ele que nos diz:
“Eu sou o SENHOR; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei...” (Isa 42:8).
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